“Em todas estas coisas, porém,
somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou”. (Romanos 8:37)
O triunfalismo, a ideia de que o
crente deve ser vitorioso em todas as áreas de sua vida, é uma das principais
marcas da grande maioria das igrejas evangélicas no Brasil. Isso pode ser
visto, por exemplo, nos chamados “culto da vitória”, que muitas igrejas
possuem. Ou mesmo nas músicas de vários cantores e cantoras, focadas em motivar aos crentes a serem vitoriosos sobre qualquer inimigo e qualquer adversidade.
Não tenho dúvidas, contudo, que o
principal texto usado para defender a ideia triunfalista é Romanos 8:37, pois,
nele, São Paulo diz com muita clareza “Em TUDO somos mais que vencedores”. A
maneira triunfalista de entender esse texto é mais ou menos assim: Se somos mais
do que vencedores em todas as coisas, então devo declarar a minha vitória sobre
qualquer dificuldade, seja doença, seja crise conjugal, seja desemprego, e
Cristo me restituirá em dobro o que eu perdi. A ideia, portanto, baseada nesse
texto, é que a vitória sobre o desemprego é um emprego melhor; a vitória sobre
a doença, é a cura; a vitória sobre uma crise financeira é a prosperidade. O
que o crente precisa, assim, se já é mais que vencedor sobre todas essas
coisas, é simplesmente declarar a sua vitória, pois como diz uma das músicas
triunfalistas “posso enfrentar o que for,
eu sei quem luta por mim”. Só que não... não é isso que o texto quer dizer.
O segredo para se entender bem este
texto é analisar no contexto a resposta para duas questões: 1) Quais são “todas
estas coisas”?; e 2) O que é ser mais que vencedor sobre estas coisas?. Vamos à
primeira.
Uma análise do contexto mais amplo
nos revela que o apóstolo Paulo deseja demonstrar os privilégios de pertencer a
Cristo a despeito dos sofrimentos da era presente. É isso que ele diz em Romanos 8:18:
“Porque para mim
tenho por certo que os sofrimentos do
tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”
Ou seja, um dos privilégios de
pertencer a Cristo é ter uma viva esperança de um futuro glorioso. É por isso
que Paulo diz que “na esperança, fomos
salvos.” (Rom 8:24). Também,
é por isso que ele diz: “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam
a Deus, daqueles que são chamados
segundo o seu propósito” (Rom 8:28). Já vimos em outro lugar que este
propósito de Deus é, no futuro, nos tornar à imagem de Cristo, sendo isto (ser
à imagem de Cristo) a nossa glória futura.
Diante
de tamanha promessa, a qual conclusão chegamos? A de que Deus é por nós (v.
31). Temos um Deus que, juntamente com Cristo, nos deu privilégios maravilhosos
(v.32), como a eleição, a justificação (v.33), a interseção de Cristo em nosso
favor (v.34) e a união inviolável com o amor de Cristo (v.35). E é exatamente
neste último privilégio que o apóstolo Paulo alista uma série de dificuldades
que todo crente pode passar, especialmente aqueles que, como Paulo, enfrentam
oposição. Ele alista “tribulação, angústia, perseguição, fome,
nudez, perigo, espada”.
Isto
significa, então, que o crente é um derrotado? Isto significa que deve-se
considerar uma perda seguir a Cristo, visto que o grande resultado é futuro, e
no presente há tanto sofrimento? A resposta de Paulo é que não, pois em “todas
estas coisas”, ou seja, “nos sofrimentos da era presente”, e mais
especificamente “tribulação, angústia, perseguição, fome,
nudez, perigo, espada”, somos
mais que vencedores. Portanto, já temos a resposta à nossa primeira pergunta “Quais
são ‘todas estas coisas?’”: São os
sofrimentos do tempo presente, especialmente os decorrentes do serviço a
Cristo, alistados no versículo 35 de Romanos 8.
E
o que é ser mais que vencedor sobre todas estas coisas? A resposta, agora que
analisamos o contexto, ficou mais fácil. Mas antes, já podemos descartar
qualquer sentido “materialista” para esta vitória. Definitivamente, para Paulo,
a vitória da tribulação, por exemplo, não é uma casa de praia, com uma rede
balançando sob a brisa do mar, e um cheirinho bom de churrasco assando na beira
da piscina. A vitória não é a satisfação
da ganância, ou de qualquer outra expectativa centrada no ego humano. A vitória
é “por meio daquele que nos amou”, como diz o restante do texto, e não tem
nenhuma relação com tais interesses mesquinhos. Isto seria ser apenas “vencedor”.
Mas Paulo faz questão de dizer que, em Cristo, somos “MAIS que vencedores”.
À
luz do contexto, o que vemos é que nenhum destes sofrimentos é capaz de nos
separar do amor de Cristo (vs 38,39). Sendo assim, nada retira dos filhos de
Deus os privilégios oriundos do amor de Cristo por nós, como a nossa eleição,
nossa justificação e a nossa esperança de um futuro glorioso com Deus. Embora
saudável ou doente, empregado ou desempregado, rico ou pobre, vivo ou morto,
nada nos separa das grandiosas bênçãos amorosas oriundas da nossa união com
Cristo, e nisso está a nossa vitória! Eis, portanto, a nossa vitória: nada nos
separa do amor de Cristo!
Pondo
em termos práticos, o que um pastor deveria dizer a um irmão que está lutando contra
o câncer? Se ele entender errado o texto de Romanos 8:37, ele diria: “Irmão, em
Cristo somos mais que vencedores. Venha aqui que eu vou declarar a sua vitória
sobre esta doença, e Deus vai te dar a cura neste dia!”. Porém, se ele entende
tal texto em seu contexto, ele falaria: “Irmão, em Cristo somos mais que vencedores.
Saiba que nosso desejo e oração é sua cura, porém louvamos a Deus que esta
doença não pode te separar do amor de Cristo e, assim, podemos ter a confiança que seu
futuro é glorioso, apesar deste seu sofrimento!”.
Em
resumo, o crente é mais que vencedor sobre qualquer dificuldade de sua vida?
Sim. Mas sua vitória consiste em estar unido a Cristo e ter a convicção de seu
amor e de um futuro glorioso, apesar dos sofrimentos presentes. É isto que
Romanos 8:37, em seu contexto, significa.