Antes de entender o que a Bíblia ensina sobre amizade com
descrentes, é importante que, primeiramente, definamos os termos. Na Bíblia,
existe uma diferença entre palavras traduzidas por “amigo”. Uma delas,
significa um simples “colega, companheiro”. Foi assim que Jesus chamou a Judas,
quando este veio para o entregar (Mt 26:50). Outra palavra traduzida como
“amigo” envolve um pouco mais de afetividade, pois sua raiz é a palavrinha filo, que significa “amante de”. Diríamos que ela seria algo como
um “amigo querido”. Era assim que Jesus via os outros 11 apóstolos (Jo 11:15).
É esse tipo de amizade que somos chamados a ter com nossos irmãos em Cristo
(1Pe 3:8). Sendo assim, podemos dizer que, biblicamente, há dois níveis de
amizade: um simples coleguismo ou companheirismo, e uma amizade fraterna, que
envolva certa dose de comunhão.
É óbvio que a Bíblia não condena
este primeiro tipo de amizade. Isso é visto no exemplo de Jesus. Ele andou com
Judas. Comeu com ele. Teve comunhão. Porém, o próprio Jesus o considerou um
simples companheiro, ou seja, andavam juntos por terem uma atividade em comum.
Eu diria, então, ser esse o tipo de amizade que mantemos em nossos trabalhos e
atividades do dia a dia. Temos colegas de trabalho, de escola, de faculdade que
conversamos e temos comunhão, porém no nível do companheirismo, por termos uma
certa atividade que nos une. Portanto, digamos assim, ter colegas descrentes
não é pecado.
A questão maior existe no outro nível
de amizade, aquela onde não é uma atividade em comum que une, mas laços
afetivos. São aquelas amizades que existem por gostos em comum, onde os amigos
têm prazer nas conversas e na comunhão um com o outro. São amizades que
mantemos por decisão pessoal. Será que é, então, pecado ter amigos assim que sejam
descrentes?
Bem, a resposta a essa questão deve ser
cuidadosamente dada, e exige uma certa dose de maturidade e equilíbrio do
leitor. Isto porque ela é daquelas respostas do tipo “não, porque nem sempre”.
Ou seja, não é pecado ter amigos descrentes, mas este tipo de amizade requer
certos cuidados. Vamos entender isto.
Primeiro, é claro na Bíblia que não é pecado,
em si, ter amigos fraternos que não são crentes. Jesus teve amigos assim! Em
Mateus 11:19, Jesus é criticado por seus opositores por ter amigos “publicanos
e pecadores”. Jesus sentava com eles para comer, conversar e ter comunhão. Se
Jesus tinha tal tipo de amizade, então é porque isto não é errado.
Não obstante, embora a regra “se Jesus fez
então não é pecado” se aplique aqui, uma ressalva precisa ser feita: Jesus não
corria os riscos de uma amizade com incrédulos. De fato, sabemos que Jesus
mantinha amigos incrédulos com o firme propósito de influenciá-los para o bem,
de ensiná-los acerca do arrependimento e do evangelho. Além disso, Jesus
certamente mantinha-se descontaminado de qualquer influencia pecaminosa que tal
amizade poderia proporcioná-lo. Dito isso, penso que estes são os dois
parâmetros a serem seguidos sempre que quisermos manter uma amizade com um
descrente: 1) Esta amizade servirá para influência positiva em favor do
evangelho; e 2) Esta amizade não me influenciará negativamente em favor do
pecado.
O seguinte texto nos dá base para o
primeiro parâmetro:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada
sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire,
mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz
diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso
Pai que está nos céus.” (Mateus
5:14-16)
Enquanto estamos no mundo, não devemos nos
esconder daqueles que precisam de luz. Pelo contrário, precisamos sempre
procurar meios de fazer nossa luz brilhar diante dos homens e, assim,
influenciá-los positivamente para que glorifiquem a Deus. Eu, particularmente,
não vejo melhor ambiente para uma boa influencia do que uma amizade.
Porém, no texto anterior a este que
mencionei, diz o seguinte:
“Vós sois o sal da terra; ora, se
o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para,
lançado fora, ser pisado pelos homens.” (Mateus
5:13)
Este texto fala do perigo de deixarmos
de ser uma boa influencia para os incrédulos. Uma amizade, portanto, onde nossa
influencia não é positiva, mas neutra ou negativa, é uma amizade inútil e
prejudicial. Uma frase que minha mãe sempre dizia era “Se você não é boa
influência para os seus amigos, então você é uma má influencia para eles”.
O que ela queria dizer é que se eu não dou um testemunho cristão para
incentivar meus amigos a crerem em Cristo, então minha amizade é prejudicial a
eles.
Quanto ao segundo parâmetro, os seguintes
textos nos deixam claro que qualquer amizade que nos influencia ao pecado é
pecaminosa.
“Bem-aventurado
o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos
pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.”
(Salmo 1. 1).
“Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes.” (1Coríntios 15:33)
“Infiéis, não
compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser
ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tiago 4:4)
Penso que tais versículos nos deixam claros os limites e os
riscos do relacionamento fraternos com incrédulos. Em amizades assim,
certamente ocorrem emissão de conselhos equivocados, assuntos pecaminosos em
conversas, práticas contrárias aos bons costumes e à Palavra de Deus, e etc.
Por isso, é necessário muito cuidado para não se deixar influenciar
negativamente por qualquer coisa que desagrade a Deus dentro de uma amizade.
Contudo, é pecado ter amigos descrentes? A resposta é não,
não é pecado, desde que esta amizade sirva para testemunhar a Cristo e não seja
uma fonte de influência pecaminosa às nossas vidas. Baseado nisso, para
encerrar, gostaria de deixar alguns conselhos:
1)
Embora você possa ter alguma amizade com um incrédulo, dê preferência às
amizades com cristãos. A comunhão com nossos irmãos em Cristo é uma ferramente
poderosíssima de Deus para trabalhar a nossa vida espiritual. Por isso, é
altamente recomendável que a maioria de nossas amizades seja com outros
crentes.
2)
Saiba que a amizade com um descrente deve conter limitações. Por exemplo, não é
bom ter como “amigo de conselhos” alguém que não está sujeito à Palavra de
Deus. Ou então, é preciso cuidado ao querer frequentar determinados ambientes
com amigos descrentes, os quais você sabe que não se comportarão de maneira
adequada à Palavra de Deus. Ou seja, estabeleça os limites necessários para que
você possa manter seu bom testemunho e não receba uma má influência.
3)
Se você é uma pessoa que já possui certa maturidade cristã e firmeza na
Palavra, então estimule-se a desenvolver amizades com descrentes com o
propósito de testemunhar de Cristo a eles. Não estou dizendo, porém, que você
deve usar as pessoas, dando-lhes uma falsa amizade com segundas intenções. Mas,
sempre que vier à tona uma certa afinidade com um descrente, procure
desenvolver e estreitar tal laço, para que ele possa ter uma fonte de luz em
sua vida. Coisas como chamar em sua casa para conversar sobre o assunto, ou
marcar uma refeição em algum lugar, ou mesmo marcar uma partida de futebol são
algumas possíveis atitudes que podem proporcionar ao amigo incrédulo momentos
de exposição a um testemunho cristão.
4)
Avalie o que te atrai a uma amizade com um incrédulo. Temos nossos motivos para
nos aproximar das pessoas. Gostos em comum, hábitos em comum, pensamentos em
comum, dentre outros. Porém, se aquilo que nos atrai a um descrente for um
gosto, hábito, pensamento ou qualquer coisa que não agrada a Deus, então esta
amizade se constitue em inimizade contra Deus (Tg 4:4).
Se você sentiu-se edificado com o texto acima e, agora,
está curioso sobre o que a Bíblia diz sobre algum outro tema, deixe seu
comentário que tentarei responde-lo. Na próxima semana, veremos “O que a Bíblia
diz sobre... jogar videogame”.
PS:
Um texto muito usado para combater relacionamentos afetivos com incrédulos,
como amizade ou namoro, é o de 2 Coríntios 6:14 que diz “Não
vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode
haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?”.
Porém, o contexto deixa claro que este “jugo desigual” é no nível eclesiástico,
ou seja, a igreja não pode associar-se com qualquer um que não serve a Cristo.
Por exemplo, se uma igreja convidasse o Padre Quevedo para pregar estaria
desobedecendo o texto acima. Por isso, tal texto não se aplica a
relacionamentos pessoais, mas às relações eclesiásticas.